Exposição insólitos

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Inaugurando o Clube de Colecionadores do MAC Paraná, Insólitos apresenta ao público uma série de múltiplos inéditos ou revisitados por cinco artistas convidados, além de outras obras que contextualizam a sua produção. Somos conduzidos a percorrer distintas trajetórias e repertórios, mas que juntos revisitam o modo como compreendemos nosso entorno. Insólito é tudo aquilo que não é habitual. Trata-se do incomum, anormal, infrequente. Muitas vezes, para melhor vislumbrar a realidade, é preciso produzir nela alguma diferença, um desvio de padrão, um distanciamento que nos leva a observar as situações a partir de outro ponto de vista. Orientados por essa perspectiva, os artistas reunidos aqui possuem a profícua capacidade de estranhar as coisas, deslocá-las de seus usos e protocolos, revisitar seu sentido no mundo.

Mano Penalva debruça-se sobre materiais e utensílios presentes nos mercados populares, nos afazeres domésticos e na vida cotidiana. O que o artista faz é despertar tal vocabulário de seu uso corrente a partir de rearranjos, acúmulos, contrastes, pequenos deslocamentos de sentido. Washington Silveira exibe esculturas que são fruto de uma íntima conexão entre um saber artesanal e os procedimentos de cunho surrealista. Diante delas, desconfiamos de que estamos dentro de um sonho. Daniel Acosta, ao transitar entre os léxicos da arquitetura e do design, amplia e descontextualiza formas migradas de referentes históricos, nos fazendo enxergá-las já descoladas de suas narrativas originais. Tony Camargo explora as possibilidades da pintura no campo expandido. Suas FOTOPLANOPINTURAS são caracterizadas por superfícies limpas e densas, com amplo domínio de cores e signos que configuram jogos de luminosidade e movimento. Sua lição é a de que a pintura está em todo lugar. Ainda no plano pictórico, Maya Weishof nos apresenta uma multiplicidade de personagens desconhecidos dotados de corpos deformados e inusitados. Suas composições também são delirantes, e não constituem uma narrativa única e linear. Ao contrário, nos fazem emergir em fragmentos entre a sedução e a repulsa.

Junto a eles, optamos também por estabelecer diálogos e vizinhanças com importantes obras históricas dos anos 1960 e 1970 do acervo do MAC Paraná. Sabe-se que aqueles anos presenciaram uma radical experimentação no campo artístico, expandindo conceitos, categorias e possibilidades da arte frente à esfera pública e ao seu contexto sociopolítico. No Brasil, trata-se de duas décadas fundamentais para

a emergência de uma produção cultural que lançou algumas das questões que permeiam até hoje a arte contemporânea. António Manuel, Cybele Varela, Henrique Fuhro, Pietrina Checcacci, Vera Chaves Barcellos, Solange Escosteguy e Ubi Bava apresentam aqui uma variedade de preocupações que pautam aqueles anos. Há, em alguns deles, a forte presença da Nova Figuração a partir da assimilação de imagens e mensagens da comunicação e indústria de massa, o uso de técnicas simplificadas e materiais pré-produzidos, o emprego de poucas e saturadas cores e o compromisso com eventos e acontecimentos políticos. Noutros, é possível ver um alargamento da perspectiva concretista, já despojada de dogmas e mais voltada à exploração dos efeitos óticos e seus recursos cinéticos (Ubi Bava) ou à expansão e ampliação dos suportes (Solange Escosteguy).

Além disso, não é incomum notar que o discurso crítico sobre o presente no Brasil faça constantes referências ao passado, especialmente àqueles anos, no plano político e cultural. Fala-se de similaridades históricas, buscando nos eventos de outrora a gênese de traumas não elaborados, que agora ressurgem como o “retorno do recalcado”, segundo uma perspectiva freudiana. Mas se naquela altura acreditava-se no Brasil como “país do futuro”, voltado para a ideia de progresso, hoje o otimismo está mais baixo, e abdica-se da promessa histórica pela realidade pós-utópica. Narrativas apocalípticas nos soam mais próximas. A história não era mesmo linear, afinal. Parece ser preciso dançar com o tempo em espiral, e é no meio dessa delicada perspectiva que buscamos confrontar obras históricas e contemporâneas; aproximar os ecos do passado dos sussurros do presente partindo da compreensão de que ser contemporâneo não implica limitar-se a um presentismo encerrado no aqui e agora. Walter Benjamin nos ensina que a contemporaneidade é uma cotemporalidade, uma concordância de tempos múltiplos. O ontem, afinal, está sempre em disputa.

Em suma, são obras que desafiam estruturas convencionais de enunciado e representação, procurando expandir nossos modos de escrever o mundo e a nós mesmos. Se não é possível existir fora da linguagem, é através dela que sofisticamos uma imaginação que permite organizar o real, testar modos de viver e sonhar coletivamente, ontem e hoje. 

 

Pollyana Quintella