Sobre o Salão

O Salão Paranaense e o Museu de Arte Contemporânea do Paraná

Vera Regina B. Vianna Baptista, 2017.

 

 

O Salão Paranaense é um evento oficial de artes visuais instituído pelo Governo do Estado do Paraná há mais de 70 anos. Foi criado em 1944 por iniciativa de um grupo de artistas e intelectuais que formavam a Sociedade de Amigos de Alfredo Andersen e passou a ser organizado anualmente pelo Departamento de Cultura da Secretaria de Educação e Cultura.

Em 1970, quando estava em sua 27ª edição, o Salão Paranaense teve a sua realização confiada ao recém-fundado Museu de Arte Contemporânea do Paraná (MAC/PR), entidade que nascia com a dupla missão de recolher, abrigar e preservar o patrimônio artístico paranaense, e também amparar, estimular e divulgar a criação artística contemporânea, conforme consta em seu Decreto de criação.

Um dos motivos que justificaram a criação do MAC/PR na estrutura administrativa do Estado foi justamente o excesso de atribuições assumidas, na época, pelo Departamento de Cultura, como a organização de diversos certames artísticos na capital e no interior, e a formação de uma coleção de obras de arte adquiridas a partir deles, em especial do Salão Paranaense. Ao mesmo tempo em que isso exigia a criação de um museu que cuidasse adequadamente da conservação e divulgação deste acervo, a instituição também deveria garantir a continuidade do Salão Paranaense, que se mostrava um importante instrumento de atualização das tendências artísticas e de intercâmbio cultural com outros estados.

Ao assumir a organização do evento, o MAC/PR criou o compromisso de revisão constante de suas normas e de promoção do debate, acumulando experiências e conquistas. A persistência deste modelo considerado anacrônico por muitos, contestado sistematicamente através dos tempos por opositores ferrenhos, pode revelar que a sua função não se esgotou, tendo em vista o grande número de inscrições espontâneas a cada nova edição do Salão Paranaense. Na falta de novos programas de estímulo às artes visuais a serem adotados como regulares pelos órgãos públicos, o modelo atual segue buscando a atualização em procedimentos e normas regulamentares, mantendo a disposição para o diálogo e para as novas propostas e demandas da arte contemporânea.

Primeiros tempos

O modelo adotado para o Salão Paranaense de Belas Artes (SPBA) foi baseado em evento similar, o Salão Nacional de Belas Artes, promovido então pela Escola Nacional de Belas Artes, do Rio de Janeiro. Assim como este, o paranaense era aberto a qualquer artista que aceitasse submeter seus trabalhos à apreciação de uma comissão de júri que, por sua vez, selecionava os participantes e distribuía os prêmios existentes. A abertura solene da exposição, com o comparecimento de autoridades e de grande parcela da comunidade local, imprimia um caráter de profissionalização e valorização do artista. Participar do salão significava um trampolim para a consagração e a habilitação para o mercado de arte.

No início, o Salão Paranaense estava voltado para o restrito ambiente artístico de Curitiba, considerado extremamente conservador. A figura emblemática do pintor norueguês Alfredo Andersen que se radicara no Paraná desde o início do século XX, exercia uma influência marcante sobre os artistas locais. Com seu falecimento, em 1935, foi criada a Sociedade de Amigos de Alfredo Andersen com a proposta de manter vivos os ideais do artista, entre os quais o da criação de uma escola de arte mantida pelo Estado, e a oficialização de um certame nos moldes do Salão Nacional. Desde o início de sua chegada em Curitiba Andersen passou a organizar grandes exposições gerais de arte e, como presidente da Sociedade de Artistas do Paraná criada em 1931, promoveu três edições do Salão de Arte Paranaense em 1931, 1932 e 1934.

O Salão Paranaense de Belas Artes criado pelo governo do Estado em 1944 deveria, pois, ser inaugurado sempre no dia 3 de novembro, data de nascimento do mestre Andersen, que foi designado patrono perpétuo do Salão. Até a 41ª edição, de 1984, o nome de Alfredo Andersen, acrescido do título Pai da Pintura Paranaense, constou em todos os editais. Houve uma interrupção até 1992, às vésperas do cinqüentenário do Salão, quando o peso da tradição exigiu o retorno da referência ao patrono. Já a abertura na data do aniversário foi exigência impossível de cumprir. Como sempre atrasava, o dia de inauguração da mostra passou para 19 de dezembro, coincidindo com as festividades do dia da emancipação política do Paraná.

Enquanto no Rio de Janeiro a Divisão Moderna do Salão Nacional de Belas Artes seria criada em sua 46ª edição, em 1940, ficando a arte considerada acadêmica numa Seção Geral, o 1º Salão Paranaense de Belas Artes, em 1944, já trazia esta atualização. A sua única Seção de Pintura, destinada à exposição de trabalhos dos artistas “consagrados pela crítica”, conforme o edital, estava dividida em Divisão Geral e Divisão de Arte Moderna. Havia ainda uma Sala Livre, instalada em local diferente, em que seriam admitidos autores e obras que, a critério do júri, não podiam figurar na seção dos artistas já reconhecidos.

Todas as obras participantes do 1º Salão Paranaense de Belas Artes primeiro SPBA tiveram a pintura como técnica. A partir da quarta edição, de 1947, diversificam-se as seções para outras categorias. Além da pintura, aparecem as de escultura, desenho e gravura. No 6º Salão, são acrescidas Artes Gráficas e Artes Decorativas. Arquitetura e Arte Aplicada surgem esporadicamente em algumas edições do salão.

Inicialmente os membros do júri, então designados pela Diretoria-Geral de Educação, eram especialmente intelectuais ligados às letras, todos paranaenses. Após a criação do Departamento de Cultura da Secretaria de Educação e Cultura, em 1948, buscou-se ultrapassar as fronteiras do estado na composição do júri. Os artistas plásticos também se tornam mais assíduos nestas comissões, por força do edital que passou a exigir a participação de um representante dos artistas paranaenses.

Com relação à destinação dos prêmios, no 6º Salão, de 1949, pela primeira vez um artista não paranaense receberia uma premiação, que até então era exclusividade dos radicados no Paraná. Na década de 50 os artistas de fora vão receber prêmios com mais freqüência, mas em número reduzido em relação aos locais. Só a partir dos anos 60 os paranaenses passam a constituir minoria no conjunto das premiações de cada edição.

 

Sinais de Renovação

A necessária atualização do Salão Paranaense teve um impulso em 1957, com a atuação de um grupo de artistas e intelectuais que pretendia romper os padrões estabelecidos, o tradicionalismo ainda vigente. A influência das Bienais de São Paulo, o acesso mais fácil às exposições de arte em outros centros urbanos do país, acabaram promovendo em Curitiba o que foi chamado de Movimento de Renovação. Com o apoio do Departamento de Cultura do Estado, o evento consistiu em palestras e debates sobre os rumos da arte brasileira e paranaense, e foi realizado no auditório da Biblioteca Pública do Paraná. Entre os integrantes do grupo que lideravam o movimento figuravam: Loio-Pérsio, Eduardo Rocha Virmond, Walmor Marcellino, Wilson Rio Apa, René Dotti, Luiz Paulo Gnecco, Paul Garfunkel, Athos Abilhoa.

Neste mesmo ano, alguns artistas que tinham participado do Movimento de Renovação rebelaram-se contra o Júri do 14º Salão Paranaense de Belas Artes, retiraram seus trabalhos da exposição e organizaram uma mostra paralela denominada “Salão dos Pré-Julgados”, em outro ambiente da Biblioteca Pública do Paraná, local de realização do salão oficial. Eles alegaram, como foi publicado em catálogo, que o julgamento de seleção e premiação tinha sido realizado por uma comissão julgadora “não apenas incompetente e parcial, mas ainda constituída em flagrante desacordo com o sentido do Regulamento”. Referiam-se ao Art. 12, parágrafo III, que recomendava que a comissão fosse composta por representantes da arte acadêmica e da arte moderna. Conforme foi divulgado na ocasião, esses artistas não estavam reclamando para si o monopólio da boa pintura, mas o direito de serem julgados e apresentados ao público com imparcialidade, em igualdade de condições. E, mais do que isso, era uma forma de provocar e criticar um ambiente pouco afeito a mudanças, e tentar estabelecer um marco divisório, utilizando a visibilidade do Salão Paranaense.

Mas na década de 50 a estrutura do Estado parecia rígida demais pra promover uma mudança definitiva. Uma tentativa de atuação por outros meios encontrou ressonância nas dependências do jornal Diário do Paraná, pela equipe que editava na época o suplemento cultural do periódico - os mesmos integrantes do grupo que se reunia regularmente na Galeria Cocaco, de Ennio Marques Ferreira (como Fernando Velloso, Eduardo Rocha Virmond e Loio-Pérsio), e que desde 1955 compunham a equipe de redação, diagramação e ilustração do suplemento. Adherbal Stresser, diretor dos Diários Associados no Paraná, encaminhou a Assis Chateaubriand uma solicitação de apoio à idéia defendida por eles, de implantação de um museu de arte paranaense nos moldes do Museu de Arte de São Paulo (MASP). Com a assessoria de técnicos do museu paulista, foi então criado em 29 de março de 1960 o Museu de Arte do Paraná (MAP), sediado na Biblioteca Pública e tendo como diretor Eduardo Rocha Virmond. Neste mesmo ano o MAP criou o Salão Anual de Curitiba, evento que pretendia concorrer com o Salão Paranaense apresentando a arte brasileira contemporânea ao lado da paranaense, permitindo a atualização do ambiente artístico local. A atuação do MAP buscando capacitação em São Paulo e o apoio de especialistas reconhecidos nacionalmente na organização de exposições elevou a um novo patamar esse tipo de atividade no Estado.

O I Salão Anual de Curitiba, de 1960, foi realizado em comemoração ao quinto aniversário do Diário do Paraná e em homenagem especial à cidade, em seu 267º aniversário. Em 1961 aconteceu o II Salão Anual de Curitiba, que contou com expressiva participação de artistas de outros estados. O propósito do museu era claro: colocar em pé de igualdade a produção local e a nacional, propiciando uma visão ampla do que acontecia fora do Paraná. Para estimular a participação de artistas de fora, Virmond conseguiu importantes patrocinadores e grande volume de prêmios em dinheiro e entrou em contato com críticos e jornalistas dos principais periódicos do país, conseguindo ampla divulgação.  

Ainda em 1961 o expoente do grupo da Cocaco, Ennio Marques Ferreira, assumiu o Departamento de Cultura, nomeado pelo governador Ney Braga. Uma primeira providência, com relação ao Salão Paranaense, foi rever o regulamento, tornando-o mais simples e mais conciso. As mudanças no regulamento, entretanto, não refletiam a grande guinada que ocorreria, a partir daí, na orientação do Salão Paranaense, pela quantidade e o valor dos prêmios aquisitivos, pela presença maciça de artistas do Rio de Janeiro e de São Paulo, e pela tendência abstracionista da maioria das obras selecionadas. A participação de gravadores do Atelier de Gravura do MAM/Rio imprimiram uma flagrante diferença no padrão técnico e artístico desta categoria. Neste e nos anos seguintes foram premiados Anna Letycia, Dora Basílio, Anna Maria Maiolino, Anna Bella Geiger, Farnese de Andrade, Antonio Henrique Amaral, Marília Rodrigues, Antonio Dias, Regina Silveira, Wilma Martins, Celina Fontoura, Vera Chaves Barcellos e Tomie Ohtake, com obras que foram incorporadas ao patrimônio do Estado. A forte presença da gravura no 18º Salão, segundo Ennio Marques, propiciou a configuração de um espírito de contemporaneidade há muito tempo esperado.

Desde então a comissão julgadora do Salão Paranaense passou a incluir críticos renomados, como Lourival Gomes Machado em 1961; Mário Pedrosa e Frederico Morais em 1962; Mario Barata em 1963; Walter Zanini em 1964; Paulo Mendes de Almeida e Marc Berkowitz em 1965; Geraldo Ferraz e José Roberto Teixeira Leite em 1966; Clarival do Prado Valladares em 1967.

Em 1962 o Departamento de Cultura alia-se ao Museu de Arte do Paraná para a organização de um grande evento denominado Salão do Paraná, reunindo o 19º Salão Paranaense de Belas Artes e o III Salão de Curitiba.

Na medida em que crescia em importância a atuação do Departamento de Cultura da Secretaria de Educação e Cultura do Estado, o Museu de Arte do Paraná foi reduzindo suas atividades. Com Ennio Marques Ferreira como diretor do Departamento de Cultura até 1969 e Fernando Velloso, a partir de 1964 na Divisão de Promoções Culturais da Secretaria de Educação e Cultura, a movimentação cultural no estado cresceu de forma considerável, e o Salão Paranaense firmou-se como um dos certames mais respeitados em todo o país, tornando-se referência de organização para outros estados.

Na 25ª edição (1968), quando completava um quarto de século, o termo Belas Artes é excluído do nome do evento, ficando apenas Salão Paranaense e são eliminadas as medalhas de ouro, prata e bronze. O júri passa a conceder primeiro, segundo e terceiro prêmios em cada divisão.  Pequenas mudanças aparentes que ainda mantinham o caráter de diferenciação e distinção entre os artistas, as graduações de valor e de qualidade às obras. A mesma tendência conservacionista pode ser percebida no símbolo gráfico do Salão Paranaense, criado em 1974 por Ennio Marques Ferreira. Nele, o pinheiro do Paraná (Araucaria Angustifólia), é utilizado numa composição em que três exemplares são superpostos ocupando um espaço circular. A ideia remete ao fascínio exercido pela árvore entre os pintores da escola de Alfredo Andersen, tema constante nas paisagens da pintura paranaense do início do século XX.

 

As novas linguagens

O período da abertura do Salão para a contemporaneidade foi marcado pelos Encontros de Arte Moderna, organizados pelo Centro Acadêmico Guido Viaro da Escola de Música e Belas Artes do Paraná, a partir de 1969. Idealizado por Adalice Araújo, então professora de História da Arte, e coordenado por Ivens Fontoura, da disciplina de Composição, o evento consistia em trazia  para Curitiba artistas, críticos de arte e intelectuais de diversas áreas como cinema, teatro, música, literatura e artes plásticas para, durante uma semana, realizarem palestras e workshops, visando apresentar aos alunos as novas tendências artísticas. Como não era um evento oficial da escola, mas realizado pelo seu Diretório Acadêmico (cujo presidente era Lauro Roberto Meira de Andrade), Adalice Araújo teve total liberdade na escolha dos participantes. Vieram João Ricardo Moderno, Pedro Geraldo Escosteguy, Arthur Barrio, Ana Bella Geiger, apresentando propostas chamadas ambientais, performances e happenings. Em 1972 o Museu de Arte Contemporânea do Paraná, ainda em sua sede antiga, na Rua 24 de Maio, abrigou o IV Encontro de Arte Moderna e passou a participar de sua organização, além de ceder espaço para as ações desenvolvidas.

A idealizadora dos Encontros de Arte Moderna, Adalice Araújo, fazia parte do primeiro Conselho Consultivo do museu, e esta proximidade e convergência de intenções acabaram resultando no direcionamento do Salão Paranaense para as novas formas de expressão.

O primeiro Salão Paranaense realizado pelo MAC/PR não correspondeu, entretanto, às expectativas. Recentemente criado, sem pessoal e instalado precariamente, o museu ainda não contava com as condições ideais para a produção do evento. O catálogo da 27ª edição não foi publicado, revelando problemas inerentes à mudança de gestão. Se o início foi difícil, logo as mudanças seriam sentidas. Na ficha de inscrição do 27º Salão Paranaense, o artista, como era tradição, tinha que assinalar em qual categoria inscrever seus trabalhos, entre quatro opções: pintura, escultura, desenho e gravura. Mas já se anunciavam mudanças nesta área, em consequência do aparecimento de propostas que não se enquadravam em nenhuma daquelas alternativas. No Salão do ano seguinte, de 1971, são extintas as inscrições por categoria.

As novas normas regulamentares em geral eram redigidas em decorrência de uma demanda e o surgimento de propostas conceituais, efêmeras, passou a ser mais constante, exigindo uma atenção redobrada com a terminologia, montagem e apresentação dos trabalhos. A instalação das obras já não era óbvia e previsível, como tinha sido anteriormente, com a simples colocação de quadros nas paredes e esculturas em pedestais, o que motivou a mudança do local onde os salões eram montados, da Biblioteca Pública do Paraná para a sala de exposição do Teatro Guaíra. Fernando Velloso conseguiu que o espaço ficasse sob a administração do MAC/PR, já que se adequava melhor, pela amplitude, às grandes mostras de arte contemporânea. Ali o espaço era amplo e aberto, permitindo a visualização das obras em conjunto e de diferentes ângulos. Tentava-se adequar o Salão às exigências dos artistas na apresentação das obras, com relação ao tamanho do ambiente, iluminação e ausência de interferências visuais.

A apresentação de instruções de montagem junto às obras enviadas vai se tornando cada vez mais comuns, como também, na mesma medida, as dúvidas dos organizadores com relação à determinação das categorias. As comissões de júri preferiam se eximir de compromisso na classificação dos trabalhos e na forma de apresentação das obras, que deveriam ser definidas pelos próprios artistas.

 

Crítica e autocrítica

A década de 80 trouxe mudanças importantes relacionadas à transparência nos critérios e procedimentos de seleção e premiação. No período anterior os critérios utilizados pelo júri aparecem eventualmente em atas ou em entrevistas, mas só em 1979, no 36º Salão Paranaense, pela primeira vez a exigência de sua definição passa a constar no regulamento, embora na ata publicada no respectivo catálogo eles não apareçam. Já na ata do ano seguinte aparece um ensaio deste procedimento que deveria se tornar comum nos salões seguintes.

Um exemplo de como o tema estava em evidência, na época, foi a realização de uma mostra paralela ao 41º Salão Paranaense, em 1984, denominada Sala Avaliação. Na Sala de Exposições do Teatro Guaíra, em condições ideais de montagem, a mostra reuniu os trabalhos não selecionados pelo júri. A proposta, conforme declarou a então Diretora do MAC/PR, Elizabeth Titton, tinha por finalidade dar ao público a oportunidade de comparar os trabalhos aceitos e os recusados, colocar em debate a necessidade de seleção, assim como discutir outras possíveis maneiras de realizar o evento.

Uma marcante inovação dos anos 80 foi a presença do público nas sessões de júri, fato ocorrido pela primeira vez em 1987 na 44ª edição do Salão Paranaense. No edital constava que as atividades de seleção e premiação dos trabalhos seriam abertas a todos, inclusive aos concorrentes interessados, vetando, porém, quaisquer manifestações que pudessem perturbar a liberdade de decisão dos jurados. A prática foi mantida até a 52ª edição, em 1995, ocasionando algumas vezes contratempos e constrangimentos aos envolvidos e presentes nas sessões.

 

Avanços na organização

Nos regulamentos do Salão Paranaense existem poucas referências à responsabilidade pela montagem das exposições. A exceção pode ser encontrada no regulamento do 9º Salão, de 1952, que transfere ao Júri a competência de “orientar a colocação dos trabalhos no recinto”. Em geral os jurados atuavam apenas na seleção e premiação das obras e a montagem da exposição, na maioria das vezes, ficava a cargo da comissão organizadora de cada edição, formada por indicados pelo órgão responsável pelo evento.

No final dos anos 80, coincidindo com a gestão de Adalice Araújo na direção do MAC/PR, surgem as curadorias assinadas. A distribuição das obras nos espaços passa a ter um responsável, função em que se destacaram Nilza Procopiak, João Henrique Amaral e Karin Bachstein. A partir de 1995 João Henrique, que se tornaria em seguida diretor do MAC (1998-2002), assina todas as exposições. Após 2003 a montagem passa a ser realizada pela equipe do MAC sob a orientação da comissão julgadora ou pessoa por esta indicada.

Com relação aos procedimentos de apresentação das obras para análise e seleção pelo júri as mudanças só ocorreram na década de 90. Até o 48º Salão, de 1991, os artistas mandavam a própria obra, da mesma forma como vinha ocorrendo desde o primeiro Salão. Com a proximidade do cinqüentenário do evento, algumas alterações foram feitas, visando maior praticidade e agilidade na sua organização. Foi então adotada, em caráter experimental, nova forma de apreciação dos trabalhos no processo de seleção. Em vez do envio direto das obras, a análise seria feita pela apreciação de imagens, projetos, maquetes ou vídeos. A seleção das obras bidimensionais, esculturas e objetos seria feita em duas etapas. Os artistas selecionados na primeira etapa a partir das imagens, eram então comunicados e deveriam enviar as obras para a segunda fase de seleção. Já as obras não convencionais eram selecionadas numa só etapa, na primeira fase, não sendo permitida qualquer alteração da proposta posteriormente. Deveriam ser apresentadas por meio de projetos descritivos, acompanhados de fotografias coloridas ou slides, em ângulos diferentes. Os vídeos e performances eram inscritos através de gravação em fita VHS com tempo máximo de 15 quinze minutos, acompanhada de roteiro.

Novas orientações sobre a forma de inscrição de obras vão aparecer no regulamento da 54ª edição (1997), com Maria Cecília Araújo de Noronha na direção do MAC/PR. Os artistas deveriam enviar um dossiê, com folhas tamanho ofício, contendo fotografias coloridas das obras, ou fotocópias. Um item específico frisava que: “Em hipótese alguma o MAC/PR receberá trabalhos originais para o período de seleção”. A partir deste ano, portanto, o júri passou a selecionar a partir do material gráfico enviado pelos artistas e as obras chegavam apenas para a montagem da exposição.

Outra mudança na forma de apresentação das obras para análise da Comissão de Seleção aconteceu em 2014, no 65º Salão, com Lenora Pedroso na direção do MAC/PR. Os artistas deveriam enviar imagens das obras em formato digital de alta resolução, para serem vistas pelos componentes do júri em equipamentos eletrônicos. No 66º Salão, assim como no anterior, o regulamento, a ficha de inscrição e o modelo de currículo foram disponibilizados pela internet, nos sites da Secretaria de Estado da Cultura e do Museu de Arte Contemporânea do Paraná.

As mudanças nos regulamentos do Salão Paranaense foram constantes, baseadas na discussão, pela equipe organizadora, a respeito dos procedimentos, antecedendo cada edição. Muitas vezes as sugestões partiram dos membros da comissão de júri, por problemas encontrados que poderiam ser solucionados ou amenizados nas edições posteriores. Assim, foi registrado, por exemplo, na Ata do 57º Salão (2000), que para o salão seguinte fosse estipulado um número máximo de selecionados (cerca de 25) para que fosse possível orçar um pró-labore de participação para todos os artistas. Sugeria também que o valor do pró-labore fosse alto o suficiente para que a suspensão da premiação se tornasse aceita e possível. Essas modificações permitiriam, segundo o júri, a aquisição de obras de todos os artistas selecionados para o evento. Pelo regulamento, a comissão julgadora deveria indicar uma obra de cada artista premiado para integrar o acervo do MAC/PR.

Em 2003, com Jair Mendes como diretor do MAC/PR, a ideia lançada em ata três anos antes vingou, e a partir de então foi instituído um pró-labore a todos os participantes, mas com a permanência de prêmios aquisitivos.

O 61º Salão Paranaense, em 2005, é apresentado com novo formato. As inovações mais importantes foram relativas à periodicidade (a realização passou a ser bienal) e à limitação do número de participantes. Neste ano, haveria 10 artistas selecionados, do total de inscritos por participação espontânea, 10 artistas nacionais convidados pela comissão do júri e outros seis artistas, de três países do Mercosul (Argentina, Uruguai e Paraguai), dois de cada país, indicados pelos respectivos Ministérios da Cultura.  Todos receberam prêmio participação de R$ 7.500,00. Outra novidade foi a realização de um Seminário de Análise Crítica da Arte Contemporânea, com a participação dos componentes da comissão julgadora, que neste ano passou a ser chamada de Comitê Curatorial, assim como de alguns dos artistas selecionados ou convidados.

Em 2011, a continuidade do Salão Paranaense e de outras mostras e salões de arte realizados tradicionalmente pela SEEC foi colocada em pauta de discussão junto à comunidade, paralelamente a outros temas voltados para a construção da política de museus e artes visuais no Estado. Ao longo do ano, o Seminário “Museus de Arte no Paraná: a construção do futuro”, com coordenação-geral do curador e crítico de arte Paulo Herkenhoff, abordou trajetórias e transformações da produção cultural e do ambiente institucional no Paraná, no Brasil e no mundo, e também o lugar das linguagens artísticas no contexto do século XXI. A última etapa do seminário foi dedicada aos salões de arte do Estado, com discussões em torno da significação histórica e social do evento e o desejo de mudanças e de continuidade.

Como resultado, houve a confirmação do Salão Paranaense, baseada em sua relevância histórica e no desejo coletivo de que o evento permanecesse no calendário oficial do Estado. Com o título sugestivo “Desejo de Salão”, uma mostra retrospectiva foi organizada pelo MAC/PR, então dirigido por Lenora Pedroso, reunindo, em mais de mil metros quadrados de salas expositivas do Museu Oscar Niemeyer, as obras mais representativas do acervo, constituído a partir das 63 edições anteriores do Salão Paranaense. A exposição, que teve a curadoria da professora e crítica de arte Maria José Justino, aconteceu de 20 de dezembro de 2011 a 18 de março de 2012 e apresentou 149 obras do acervo do MAC, e outras 47 de coleções particulares e institucionais, de 180 artistas premiados ou que foram destaque nas diferentes edições do Salão Paranaense.

Grande parte das dificuldades para a realização do evento estava condicionada à escassez de recursos destinados pelo Estado para a área cultural. No 64º Salão Paranaense (2012) foi possível captar patrocínio através de inscrição na Lei Rouanet, permitindo um salto de qualidade nos resultados, desde a elaboração do catálogo até a forma e o valor da premiação. Ainda nesta edição foi instituído o prêmio-residência, proporcionando a dois artistas a troca de experiências com artistas e professores especialistas em suas áreas de atuação. O 64º Salão Paranaense foi dedicado à crítica de arte e ex-diretora do MAC/PR Adalice Araújo, falecida naquele ano.

Assim, a 64ª e a 65ª edições do Salão aconteceram em anos pares (2012 e 2014), e o 66º Salão, por dificuldades diversas, sofreu grande atraso em sua organização, sendo inaugurada em maio de 2017. A 66ª edição, excepcionalmente, foi apresentada no Museu Oscar Niemeyer, com apenas uma obra instalada no Museu de Arte Contemporânea: a intervenção M(USE)U, de Tom Lisboa, na fachada frontal do prédio histórico.

 

O acervo documental do Salão Paranaense

O Museu de Arte Contemporânea do Paraná tem, em seus arquivos, a documentação de todas as edições do Salão Paranaense. Trata-se de um rico conjunto de materiais: textos, fotografias, catálogos, recortes de jornais, recibos, fichas de inscrição, diplomas, listas de presenças de visitantes, listas de artistas selecionados e recusados, atas de seleção e premiação, recibos de prêmios, uma variedade de documentos que constitui atualmente importante fonte de pesquisa para os estudiosos da arte paranaense e brasileira.

Em 1995, com o apoio da Itaipu Binacional, o MAC lançou o livro “50 Anos do Salão Paranaense de Belas Artes”, coordenado pela professora e crítica de arte Maria José Justino, obra de referência em qualquer investigação sobre o tema. Os dados resultantes dos salões seguintes continuam sendo organizados e preparados pela equipe do Setor de Pesquisa e Documentação do MAC/PR para nova publicação.

A história do Salão Paranaense confunde-se com a da arte paranaense, podendo mesmo ser considerada o seu fio condutor, na linha do tempo. Acompanhando a trajetória do salão é possível identificar as diferentes linguagens que vão se definindo em cada época, acompanhar a produção individual dos artistas participantes, as mudanças na forma de expor as obras nos espaços, os critérios utilizados na seleção e tantos outros aspectos que podem ajudar a reconstituir a história a partir de diferentes enfoques e perspectivas. Utilizando apenas os regulamentos das diversas edições do Salão como fonte de pesquisa, é possível refutar a afirmação de que o evento permaneceu engessado no tempo, calcado nas normativas das exposições gerais das academias do século XIX. A constante preocupação em atualizar o edital, em adaptá-lo às exigências da arte contemporânea, às demandas impostas pelos próprios artistas participantes, tem permitido e justificado a continuidade do Salão Paranaense, que se afirma como o mais importante e de maior amplitude evento cultural do Estado.

 

 

 

Referências bibliográficas

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